“Quando uma pessoa lê, ela pode mudar a vida. Quando muitas pessoas leem, elas podem mudar o mundo.”

Manuela Dias

LER FAZ BEM é uma campanha de incentivo à leitura que pretende potencializar experiências de incentivo à leitura, para além da aquisição de conteúdo. #LerFazBem é uma campanha que comprova cientificamente, mas de forma acessível, que o hábito da leitura traz benefícios práticos e reais, assim como exercícios ou meditação.

Em um mundo que nos faz tão mal, o que faz bem?

1. Benefícios da Leitura

Contudo, muitos estudos comprovam cientificamente que o hábito da leitura provoca inúmeros benefícios físicos, emocionais, intelectivos e sociais.

Por exemplo, você sabia que:

a) Ler diminui o estresse (mais rápido que um ansiolítico!)

Ler por apenas seis minutos ajuda a diminuir cerca de 68% dos níveis de estresse. Isso foi o que perceberam os pesquisadores da Universidade de Sussex, no Reino Unido, ao notarem que após o breve período de tempo os voluntários tinham queda na frequência cardíaca e conseguiam relaxar os músculos. E funciona melhor e mais rápido do que outros métodos para acalmar os nervos esgotados, como ouvir música, caminhar ou tomar uma xícara de chá, segundo a pesquisa.

O trecho abaixo gera uma leitura de aproximadamente 6 minutos. Ao final, atente para sua respiração.

“A Igreja do Diabo” de Machado de Assis

Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.

– Vá, pois, uma igreja – concluiu ele -. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja, uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.

Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a ideia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: “Vamos, é tempo.” E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

Capítulo II

Entre Deus e o Diabo

Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém chegado detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.

– Que me queres tu? – perguntou este.

– Não venho pelo vosso servo Fausto – respondeu o Diabo rindo -, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.

– Explica-te.

– Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros…

– Sabes o que ele fez? – perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.

– Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação… Boa ideia, não vos parece?

– Vieste dizê-la, não legitimá-la – advertiu o Senhor.

– Tendes razão – acudiu o Diabo -; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência… Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.

– Vai.

– Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?

– Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja?

O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma ideia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer cousa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:

– Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para a minha igreja; atrás delas virão as de seda pura…

– Velho retórico! – murmurou o Senhor.

– Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor – a indiferença, ao menos – com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida… Mas não quero parecer que me detenho em cousas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda… Vou a negócios mais altos…

Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica. Deus interrompeu o Diabo. 

– Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie – replicou-lhe o Senhor -. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?

– Já vos disse que não.

– Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?

– Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.

– Negas esta morte?

– Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los…

– Retórico e subtil! – exclamou o Senhor -. Vai, vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens… Mas, vai! Vai!

Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.

b) Ler ajuda a vencer na vida

Segundo a pesquisa do Pró-livro 35% dos brasileiros conhecem alguém que venceu na vida graças à leitura – alguém da família, algum amigo, alguém famoso, ou ouviu falar de alguém.

c) Ler estimula a criatividade

A criatividade tem sido cada vez mais valorizada em diferentes contextos sociais por sua constante associação ao potencial humano. Capacidades como pensar, raciocinar, ter curiosidade e liberdade de expressão estão envolvidas em atividades de leitura e podem facilitar o desenvolvimento da criatividade. Fomentar uma mente criativa inclui a atitude cotidiana de aprender algo novo, almejar críticas construtivas, raciocinar e utilizar o conhecimento de modo habitual.

d) Ler auxilia no combate a insônia

Quando a leitura acontece antes de dormir torna-se um hábito, ela age como um sinal para o corpo de que a hora do sono está se aproximando. Isto acontece por meio da diminuição dos batimentos cardíacos e dos níveis de atividade cerebral. O resultado dessa combinação é uma sensação de bem-estar e relaxamento e a respiração se torna mais rítmica.

e) Ler livros desenvolve a empatia

O Estudo da New School de Nova York mostra que quem lê ficção desenvolve a a capacidade de compreender como outras pessoas pensam, entender que carregam crenças e desejos diferentes dos seus, ou seja, ler desenvolve a empatia.

f) Ler protege a mente contra o surgimento de doenças neurodegenerativas

Quando lemos melhoramos o funcionamento cerebral, o que ajuda a “atrasar” sintomas de doenças como demência e Alzheimer Estudo publicado na Neurology pelo Centro Médico da Universidade de Rush, nos Estados Unidos, mostra que pessoas que têm o hábito de leitura preservam por mais tempo suas habilidades mentais.

g) Ler poesia aumenta a eletricidade no cérebro

Segundo testes realizados para o documentário inglês “Why Reads Matter?” com textos de Shakespeare, está cientificamente comprovado que ler construções poéticas, com seus jogos de sentido, provoca alterações no corrente elétrico do cérebro, desenvolvendo a neuroplasticidade.

SINTA SEU CÉREBRO FERVILHAR COM ESSES POEMAS

Manoel de Barros, de “Livro Sobre o Nada”: 

“O que não sei fazer desmancho em frases.
Eu fiz o nada aparecer.
(Represente que o homem é um poço escuro.
Aqui em cima não se vê nada.
Mas quando se chega ao fundo do poço já se pode ver o nada.)
Perder o nada é um empobrecimento.”

Paulo Leminski, em “La Vie em close”:

ERRA UMA VEZ

Nunca cometo o mesmo erro
duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro te vez.

ÁGUA EM ÁGUA

pedirem um milagre
nem pisco
transformo água em água
e risco e risco

h) Ler protege a mente contra o surgimento de doenças neurodegenerativas

Quando lemos melhoramos o funcionamento cerebral, o que ajuda a “atrasar” sintomas de doenças como demência e Alzheimer Estudo publicado na Neurology pelo Centro Médico da Universidade de Rush, nos Estados Unidos, mostra que pessoas que têm o hábito de leitura preservam por mais tempo suas habilidades mentais.

i) Ler melhora a concentração

Ler é um excelente treino de concentração. Para quem já tem o hábito da leitura, especialmente quando você lê em ambientes mais movimentados, onde é preciso se esforçar para manter o foco sem se distrair com os estímulos externos, ler se torna um exercício ainda mais estimulante para o cérebro. Durante a leitura, evidenciou-se aumento do fluxo sanguíneo para várias áreas cerebrais que impactam na concentração.

Coloque um cronômetro e comece a ler. Veja quanto tempo você resiste sem acessar seu celular, mesmo que ele toque.

Trecho de “A Lua Vem da Ásia”, Campos de Carvalho:

Capítulo Primeiro 

Aos dezesseis anos matei meu professor de Lógica. Alegando legítima defesa — e qual defesa seria mais legítima? — logrei ser absolvido por 5 votos contra 2, e fui morar sob uma ponte do Sena, embora nunca tenha estado em Paris.

Deixei crescer a barba em pensamento, comprei um par de óculos para míope, e passava as noites espiando o céu estrelado, um cigarro entre os dedos. Chamava-me então Adilson, mas logo mudei para Heitor, depois Ruy Barbo, depois finalmente Astrogildo, que é como me chamo ainda hoje, quando me chamo. 

A primeira mulher que possuí foi sob a ponte do Sena, em pleno coração do meu Paris imaginário; e ainda me lembro de que ela me sorria com uns dentes que refletiam as estrelas e as lâmpadas do cais adormecido, e dizia-me coisas numa língua que eu não conhecia. Paguei-lhe à vista, e subi eufórico em direção a uma rua de onde vinham sons de uma mandolinata inenarrável, e que se esvanecia à medida que eu me aproximava, e que acabou por desaparecer de todo. Sentei-me no chão, aturdido, acendi um cigarro e deixei que ele fumasse por si mesmo, e depois morri tranquilamente, dentro da noite calma. 

Quando despertei, já um gari me estendia o último jornal da tarde, e pude ler então que uma grande hecatombe havia acontecido sobre a cidade de Melbourne, na Austrália, justamente enquanto eu dormia. Lavei meu rosto com o pranto, entreguei o jornal a um menino cego e saí correndo pela primeira rua que encontrei pela frente, até deparar com a estátua do marechal Joffre montado a cavalo. 

No dia seguinte, como a guerra houvesse rebentado, apresentei-me a um general de divisão que encontrei espairecendo pelo Bois de Bolougne, e ele foi muito gentil para comigo, dando-me uma corneta e cinco mil francos para comprar um uniforme. Com a corneta toquei o Danúbio Azul, mas em surdina, e com os cinco mil francos fui a uma sessão de cinema (um filme de Clara Bow, se não me engano) e dei o resto a um mendigo que me pareceu mais honesto do que os outros — do que eu, pelo menos. À margem do Sena pus-me a pensar sobre as incertezas da vida e o absurdo da guerra recém-deflagrada entre o Japão e a China, até que o sono me jogasse de novo de encontro às pedras, as mãos espalmadas como as de um cadáver. 

Tudo isso do meu passado eu conto para que se possa ter uma ideia exata da minha situação presente, depois que me deram por excêntrico e me jogaram neste hotel de luxo onde os garçons, o gerente e o subgerente andam todos de branco, e têm também os dentes brancos e não vermelhos ou amarelos como toda gente. Conto, também, porque o dia aqui para mim tem setenta e duas horas, e às vezes mais até, e eu necessito ocupar-me com qualquer coisa que não sejam 

os mosquitos da sala ou a minha coleção de palitos de fósforo, de há muito superada e já vendida a um nababo hindu que mora no quarto ao lado. Descobri que, escrevendo a história da minha vida, antes que a escrevam os outros ou que não a escreva ninguém, estarei prestando um serviço enorme não só à cultura, por isso que – 

(Fui obrigado a interromper estas lucubrações para tomar um prato de sopa que me trouxe a gentil senhora do gerente ou do subgerente do hotel — de qualquer forma uma senhora respeitável e vesga, que às vezes me toma a temperatura pelo simples prazer de me ser agradável. Mas a sopa estava bastante amarga, ou assim me pareceu pelo menos). 

Mas eu dizia, se não estou equivocado, que, finda a guerra sino-finlandesa, fui preso como espião moscovita por causa de minhas barbas patriarcais e malcheirosas, e fui submetido a um conselho de guerra composto de 15.000 generais, todos eles fardados, que me absolveram unanimemente e me repatriaram ao meu país de origem. Qual esse país fosse, nem eles nem eu sabíamos, de forma que voltei tranquilamente a dormir sob as pontes de diversos rios da Europa, os quais eu já conhecia de vista através das aulas de Geografia que me dava o meu professor de ginásio, ao tempo em que eu ainda teimava em aprender as coisas. Dniester, Reno, Vístula, Guadalquivir, Elba, Nitra, Ródano, etc., etc., são nomes que se tornaram familiares aos meus ouvidos de tanto eu ouvi-los murmurar eles mesmos, e não pobres mestres-escolas diante de ensebados mapas grudados à parede: a sua cantilena por muito tempo substituiu o doce acalento de minha mãe na pátria desconhecida, que de resto nunca cheguei a conhecer, pois nunca fui criança. 

Foi por essa época que aprendi a tocar berimbau com um professor do Conservatório de Varsóvia, herr Hepsteimm, e quando também resolvi fazer a minha primeira comunhão, por absoluto estado de fome. Desse aprendizado resultou-me a oportunidade de vir a ser mais tarde nomeado conselheiro musical na corte de Luís II da Baviera, o mesmo que tinha vários castelos assombrados e era dado a práticas de ocultismo, às quais aliás eu não era de todo alheio. 

(Mas confesso que o lápis já me pesa na mão como se fora o mastro de um circo ou o próprio eixo da terra, o que me leva a parar de súbito estas reminiscências tão históricas e para mim tão caras, que um dia mostrarei aos meus companheiros de hotel para que eles vejam até onde chega a fabulosa aventura humana, desde que – 

Capítulo 18° 

Chuva, chuva, chuva. 

É a primeira chuva a que assisto da minha janela de hóspede — neste verão que bem pode ser a primavera, pois não tenho noção do tempo nem disponho de bússola para me guiar entre as horas do dia e da noite. Ontem o deputado que se senta ao meu lado na mesa garantiu-me que estávamos em agosto, e até fez o sinal da cruz sobre o peito para demonstrar que não estava mentindo; mas eu tenho minhas dúvidas a respeito e continuo acreditando que não estamos sequer em janeiro ou em março, pois o rio que ouço a distância continua a caminhar para a direita e só com a chegada da primavera é que ele se volta para a esquerda e se torna realmente belo. 

Presumo que aqui me encontro aproximadamente há uns vinte anos, ou uns cinco pelo menos, pois já me habituei com a cama, as cadeiras e a mesinha de cabeceira, e não sou de me habituar muito depressa com as coisas. Eu poderia, bem sei, perguntar ao criado ou à criada que me servem todos os dias, ou mesmo ao próprio gerente do hotel, ou ainda à sua jovem esposa tão louçã e já tão vesga, o tempo exato em que aqui me encontro e o mês e o ano em que porventura estamos vivendo nesta fria noite de chuva; mas tenho receio de que eles me tomem por um maníaco que está sempre a querer saber as coisas, eu que tenho fama de tão discreto e de tão educado, e prefiro morrer sem saber o dia da minha morte a ter que causar-lhes tamanha decepção. 

De resto, a noite não é tão triste assim, e eu bem posso, querendo, sentar- me à beira da cama, colocar as duas mãos na fronte como o faria qualquer sujeito de bom senso, e distrair-me assim com o espetáculo da parede sempre branca e sempre imóvel, a dois palmos do meu nariz. Livros eu não tenho para ler no momento, nem eles dão coisa que preste e que me faça mais sábio do que sou, pelas amostras que já tive nestes últimos tempos (À Bíblia que me deram a ler era exatamente igual a todas as Bíblias que eu já conhecia antes de vir para cá, e o romance policial que de certa feita me emprestou a empregada trazia uma história ingênua e fácil de ser desvendada, como pude verificar logo pelas últimas páginas.) Violão também não tenho, nem piano, nem saxofone, de maneira que a chuva ainda é a melhor coisa que me poderia acontecer nesta noite sem mês e sem ano, já que as paredes brancas e iguais já não me oferecem segredo nenhum, à força de eu me postar diante delas como diante de um espelho. 

Exatamente: a noite foi feita para os galos dormirem e os insones roerem a sua insônia. Roerem — não disse bem? 

Assombra-me (sempre me assombrou) ver a facilidade com que certas criaturas se recostam num travesseiro e caem logo num sono profundo, como se 

se houvessem suicidado inteiramente, sem problema nenhum a resolver no dia seguinte. Parecem bonecos de corda a que de repente faltasse a corda, e a sua consciência é também uma simples questão de corda a mais ou a menos, como o é também a sua voz, em tudo igual à de um boneco que fala mamãe. Em mim, o superlúcido, o sono foi sempre uma conquista muito difícil, e sua escalada através dos anos sempre me pareceu mais penosa e meritória do que a do Himalaia ou mesmo a do monte Everest. 

Agora a chuva baila em torno da minha cabeça, e no hotel todos dormem ou fingem que dormem pelo menos, num silêncio que marca com exatidão o barulho da chuva sobre o telhado. Seu eu gritasse é possível que a chuva continuasse caindo, mas o silêncio pelo menos deixaria de existir dentro do meu quarto e dentro dos quartos vizinhos, e a chuva já não teria a marcá-la o compasso unânime do sono de todos os imbecis da terra. Vou gritar, espera!… — Não, é melhor eu deixar para gritar amanhã, ou num domingo, que é dia de júbilo universal e é quando todos gritam sem motivo ou pelos motivos mais tolos. Agora vou pentear o cabelo com a água da chuva, olhar um pouco mais o céu indevassável através das grades da janela (por causa dos ladrões) e depois recolher-me ao leito, como uma criança de dois anos. Nos meus bons tempos esta era a hora exatamente de eu sair à rua, de guarda-chuva aberto e a alma escancarada, até que encontrasse um bar simpático que me acolhesse e ao guarda-chuva e nos deixasse ficar a sós até alta madrugada. (Neste hotel, não sei por que, o regime é mais severo do que nos outros, e o hóspede não tem direito de pôr o pé na rua sem falar com o gerente ou com o subgerente, que geralmente lhe negam autorização. Coisas da nova democracia, parece-me.) 

Outra coisa que a chuva me faz lembrar sempre são os mortos. Tive um amigo que de certa feita escreveu esta frase lapidar: A chuva dá de beber aos mortos, e talvez por isso eu não possa sentir a chuva sem sentir a presença dos mortos ao meu lado, e até mesmo dentro de mim. 

Por outro lado, não é verdade que os mortos hão de sentir-se apavorados dentro da terra encharcada e gotejante, sobretudo os mortos recentes e que ainda não estão acostumados com a sua solidão? Eu, depois de morto, tanto se me dá que chova ou que deixe de chover, mas aquela frase do meu amigo não deixa de ser bela e profundamente inspiradora. Não acredito que a sede seja o que mais importune os mortos no seu silêncio, mas a poesia é sempre necessária e é bom que os poetas estejam lembrando-se dos mortos nos dias de chuva, como uma mãe dos seus filhos. 

Agora que já olhei a chuva mais uma vez, e que o silêncio persiste dentro deste hotel mal-assombrado (mudar-me-ei amanhã) — o que me resta a fazer é não fazer nada, como sempre, e esperar que as horas escoem lentamente e que o meu corpo durma antes de mim, ao peso do cansaço e da mais absoluta monotonia. Deitar-me-ei como um faquir sobre os espinhos do meu leito — bela imagem, sem dúvida — apagarei a luz, rezarei um padre-nosso (eu que não creio em Deus nem creio que ele possa crer em mim) e fingirei de morto por algum tempo, só respirando e deixando que me bata o coração, por via das dúvidas. No escuro a noite é completamente escura, como o podem atestar todos os insones da terra, e o jeito que resta é a gente esperar que, mesmo com chuva, a alvorada volte a raiar no vidro da janela, e com ela de novo as esperanças e as ideias felizes, que são sempre as mesmas sempre, apesar de todas as decepções ou talvez por isso mesmo.

Coloque uma música e leia o mesmo trecho do exercício de nível básico, mas sem interrupções. Você consegue entender o que está lendo?

j) Ler ajuda a desenvolver melhor a memorização

O hábito de leitura trabalha a memória visual, verbal e o raciocínio lógico. Além disso, quando estamos lendo, nosso cérebro faz um esforço gigantesco, milissegundos após a leitura das primeiras letras de cada palavra para acessar uma lista de palavras já armazenadas na memória.

2. Dicas para sair do sedentarismo literário:

a) Procure um livro sobre um assunto que você já gosta. A questão é ler, não adquirir conteúdo. Ler sobre qualquer assunto fará bem para o seu cérebro. E existem livros sobre todos os assuntos.

b) Não comece por livros grandes.

c) Comece lendo aos poucos. Três a cinco páginas por dia. Como em uma academia, não dá pra chegar querendo carregar 200 quilos.

d) Procure fazer amigos que leem. Ler é uma ação que fazemos sozinhos, mas também gera amigos e até amores! Existem clubes de leitura e muitas pessoas interessantes e parecidas com você que têm o hábito de ler.